Cinema à distância: a saída?
Pandemia de coronavírus segue implacável e cancela Annecy. Cannes é a próxima vítima? Enquanto isso, Godard faz live no Instagram e diretor brasileiro anuncia filme feito em home office.
A animação “Perdi Meu Corpo”, de Jérémy Clapin, vencedora do Festival de Annecy em 2019 - Distribuição: Netflix
A quarentena se aproxima de completar um mês. E quem diria que “cancelamento” deixaria de ser uma palavra da moda nas redes sociais para virar notícia recorrente na indústria cultural, hein? Pois é. Mais um festival de cinema foi cancelado, desta vez o querido Festival de Annecy, que acontece na França. É o principal evento de animação do mundo e de onde o Brasil já saiu premiado (“O Menino e o Mundo” venceu em 2013 e de lá foi para o Oscar). O festival estava programado para 15 a 20 de junho e comemoraria seu 60º aniversário. A festa agora ficará para 2021. Até lá, o público poderá acompanhar uma edição online e enxuta que terá uma parte da seleção de filmes deste ano. A programação será apresentada no próximo dia 15. (Variety)
Enquanto isso, Cannes já admite a possibilidade de ser cancelado de uma vez por todas este ano. Os organizadores fizeram a mesma coisa antes de anunciarem o adiamento, lembra? Diziam que ainda havia uma chance, que estavam aguardando o desenrolar dos fatos… E não deu outra. E a realidade é que o coronavírus avança com força total na França. O cancelamento de Annecy é um indicativo de que Cannes está perto de ter o mesmo fim. Ao que parece, os organizadores lutam por uma última chance: se não for possível realizar o festival no final de junho, ele não será realizado. Aguardam uma resposta das autoridades. No entanto, pode ser que as seções paralelas (Quinzena dos Realizadores e Semana da Crítica) aconteçam a parte e em outras datas. Tudo ainda a confirmar. A única coisa certa por hora é que, diferente de outros festivais que anunciaram versões virtuais (É Tudo Verdade, Tribeca, SXSW, entre outros), não haverá Festival de Cannes online, tampouco Festival de Veneza. (Deadline, Variety)
Se houve uma notícia boa vinda da Europa esta semana foi que ninguém menos que Jean-Luc Godard aderiu à onda das lives e conversou com os fãs, via Instagram, durante quase duas horas no último dia 8. De sua casa, na Suíça, ele respondeu perguntas em uma entrevista mediada com o tema “a imagem em tempos de coronavírus”. Mas isso foi a última coisa discutida pelo transgressor diretor, que falou sobre imprensa, linguagem, pintura, ciência e, claro, cinema, relembrando um pouco de sua época de Nouvelle Vague. A conversa foi publicada no YouTube, mas ainda não tem legendas. (O Globo)
Cá no Brasil, já tem gente pronta para fazer dirigir filme à distância durante a pandemia de coronavírus. O diretor de “Minha Mãe é uma Peça” e “Detetives do Prédio Azul”, André Pellenz, revelou que está realizando um longa de modo totalmente remoto, com cada membro da equipe e do elenco trabalhando de suas respectivas casas. Ele também pretende finalizar o projeto com empresas de pós-produção que conseguem trabalhar de forma remota. O filme ainda não tem título, mas a história tem o confinamento como premissa: um casal em vias de se divorciar é obrigado a continuar convivendo durante uma quarentena imposta pelo governo. Pellenz quer mostrar o resultado dessa experiência no cinema, mas, com o futuro incerto, já admite que pode lançar o filme direto no streaming. (O Tempo)
Vale dizer: Pellenz não é o primeiro a dirigir à distância. Kleber Mendonça Filho chamou parte da equipe de “Bacurau” para refazer uma cena do filme. O motivo é nobre: pedir para as pessoas ficarem em casa, reforçando a importância do isolamento social em meio à pandemia. Segundo Kleber, tudo foi feito por Skype e não são refilmagens, mas planos do filme remontados com novo áudio gravado por Jr. Black (que interpreta o DJ Urso no longa). O vídeo também conta com mensagens gravadas por atores do longa, cada um na sua casa. Veja. (O Globo)
A crise do coronavírus serviu de pretexto para um velho problema do audiovisual brasileiro voltar à tona. As empresas de telecomunicações conseguiram na Justiça uma decisão liminar que suspende o pagamento da Condecine referente a 2019. Para as teles, "a grave crise instalada pela pandemia, bem como a decretação de estado de calamidade pública em nível federal autorizam a suspensão da exigibilidade da cobrança”. Porém, quem acompanha essa história da Condecine sabe que ela se arrasta desde 2016. O cinema brasileiro depende desse tributo, pois ele abastece o Fundo Setorial do Audiovisual, principal mecanismo de fomento do setor. A Ancine estimava receber até R$ 940 milhões do pagamento da contribuição este ano e agora está com as mãos abanando. Como resposta à decisão judicial, a Frente Parlamentar Mista em Defesa do Cinema e do Audiovisual Brasileiros, composta por 36 deputados e senadores, se manifestou com uma nota pedindo à Advocacia-Geral da União e ao Ministério Público Federal medidas imediatas para a preservação das atividades e dos empregos. Representantes do setor também demonstraram preocupação e criticaram a decisão pelo fato de que as teles não estão passando por crise, já que o consumo de conteúdo reproduzido por elas aumentou durante a quarentena. (Tela Viva, Portal Exibidor, Filme B)
A crítica argentina anunciou os indicados ao Condor de Prata, premiação realizada há quase 70 anos pela Associação de Cronistas Cinematográficos do país. Sim, 70 anos. Não é qualquer coisa. Tem um filme brasileiro puro sangue na disputa: “Arábia”, de Affonso Uchoa e João Dumans, concorre na categoria Melhor Filme Ibero-Americano e enfrenta nada mais, nada menos que o espanhol “Dor e Glória”, de Pedro Almodóvar. O Brasil também está representado nas categorias de atuação com a coprodução “Sueño Florianópolis”, filmada em Santa Catarina. Mas apenas os atores hermanos Mercedes Morán e Gustavo Garzón foram indicados. Andrea Beltrão e Marco Ricca não foram lembrados. Os vencedores do Condor de Prata serão conhecidos após a crise do coronavírus e terá cerimônia de premiação transmitida pela TV Pública. (Revista de Cinema)
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Fora o coronavírus, a semana até rendeu bem em termos de anúncios de novos projetos, incluindo filme novo de Ridley Scott, estrelando Lady Gaga. Trata-se de “Gucci”, um drama criminal sobre o assassinato do pioneiro da moda Maurizio Gucci. O longa marcará o retorno de Gaga às telas após o Oscar por “Nasce uma Estrela”. Ela não vai cantar desta vez: o papel é o da socialite Patrizia Reggiani, ex-mulher de Gucci e condenada como mandante do crime. O roteiro é baseado no livro “The House of Gucci”, de Sara Gay Forden, e o projeto foi comprado pela MGM, que desbancou a Netflix da disputa pelos direitos depois que ofereceu a Scott um plano de lançamento nos cinemas. Porém, antes de pensar em “Gucci”, Scott tem que terminar de filmar “The Last Duel”, seu drama medieval estrelado por Adam Driver e Matt Damon. A produção está parada por causa da pandemia e a previsão era chegar aos cinemas em dezembro. (The Hollywood Reporter)
Por falar em Netflix, a gigante do streaming ganhou a concorrência da Apple pelos direitos de distribuição do próximo filme de Martin Scorsese. Ao que parece, o cineasta gostou da experiência com “O Irlandês” e seguirá o mesmo caminho com “Killers of the Flower Moon”. Porém, MGM, Universal e Paramount também podem entrar na jogada como coprodutores ou distribuidores nos cinemas. O filme é descrito pelo próprio diretor como um western e se passa nos anos 1920, quando um genocídio de indígenas em terras ricas em petróleo é investigado pelo recém-criado FBI. Leonardo DiCaprio e Robert De Niro estão no elenco. (Wall Street Journal)
Jesse Eisenberg escalou Julianne Moore para a sua estreia como diretor. Finn Wolfhard (“Stranger Things”) também estará no elenco de “When You Finish Saving the World”, cujo roteiro também é assinado pelo ator de “A Rede Social”. A sinopse não foi divulgada, mas já se sabe que Moore e Wolfhard interpretam mãe e filho. Eisenberg terá como parceira atrás das câmeras a também atriz Emma Stone, que atuará como produtora do longa. Os dois contracenaram em “Zumbilândia”. (Deadline)
E o diretor uruguaio Fede Alvarez (“A Morte do Demônio”, “O Homem nas Trevas”) também fará um filme sobre uma mãe, mas a história se passa em meio a uma pandemia. Em “16 States”, a protagonista tentará reencontrar a família em um mundo devastado, ao estilo de “Eu Sou a Lenda”. O roteiro do thriller é de John Requa e Glenn Ficarra, dupla de “O Golpista do Ano” e “Golpe Duplo”. (Heat Vision)
A semana também teve várias novidades sobre remakes de filmes de horror. A Universal Pictures anunciou que está preparando uma refilmagem do clássico “O Mensageiro do Diabo” (1955), de Charles Laughton, com Robert Mitchum em papel icônico. Remake absolutamente desnecessário, eu concordo. Mas, sim, está acontecendo. Da mesma forma, vem aí uma versão moderna de “Os Outros” (2001), sucesso de Alejandro Amenabar, estrelado por Nicole Kidman. No momento, apenas os direitos de refilmagem foram adquiridos pela produtora Sentient Entertainment, sem roteirista ou diretor contratados. Já o reboot de “Hellraiser” agora tem nome na direção: David Bruckner, que chamou a atenção no Festival de Sundance este ano com “The Night House”. Por fim, uma nova adaptação de “Salem’s Lot”, de Stephen King, está sendo produzida pela New Line, que contratou Gary Dauberman (da trilogia “Annabelle”) para assinar a direção e o roteiro. Assim como “It - A Coisa”, que só havia sido adaptado para a TV até chegar aos cinemas em 2018, “Salem’s Lot” nunca foi levado à telona, mas teve uma minissérie em 1979, dirigida por Tobe Hooper. Em 2004, uma nova versão foi feita por Mikael Salomon. (Variety, Deadline, The Playlist, The Hollywood Reporter)
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In Memoriam: tivemos várias perdas significativas nos últimos dias. A atriz Honor Blackman, que viveu a icônica Bond girl Pussy Galore em “007 Contra Goldfinger”, morreu aos 94 anos. Também perdemos a atriz e ativista Shirley Douglas, mãe de Kiefer Sutherland. Ela tinha 83 anos e atuou em filmes como “Gêmeos: Mórbida Semelhança” e “Lolita”, de Kubrick. Para os fãs de “Tubarão”, a despedida de Lee Fierro, aos 91 anos. Ela interpretou a Sra. Kintner no filme de Spielberg. Pequeno, mas memorável papel. Também partiu George Ogilvie, que ao lado de George Miller dirigiu “Mad Max: Além da Cúpula do Trovão”. Ele estava com 89 anos e também dirigiu “The Crossing”, primeiro filme de Russell Crowe. Por fim, adeus ao ator Allen Garfield, aos 80 anos. Ele é mais lembrado por seus papéis em “A Conversação”, “Nashville” e “Um Tira da Pesada II”.
É isso. Até a próxima edição!
Forte abraço e cuide-se,
Renato Silveira
Editor-chefe do Cinematório