Cinema x coronavírus: a hora da reação
Enquanto cinemas seguem fechados, grandes redes dos EUA esperam ajuda do governo, China ensaia reabertura das salas, estúdios apostam no VoD e festivais realizam edições online
Foto: BBC/Getty Images
Prezados leitores, antes de deixar vocês com as notícias, um breve recado. Nesta edição, faremos um teste: os links para as notícias originais levarão às páginas traduzidas para o português, quando os textos estiverem em inglês ou outro idioma. Digam se está funcionando para vocês, OK?
Aqui na newsletter, na semana passada, falei sobre os impactos econômicos a longo prazo que a crise do coronavírus trará à indústria cinematográfica. Pois bem: o teto já começou a cair. A AMC, maior rede de cinemas dos Estados Unidos, anunciou afastamento em massa de funcionários na última quarta-feira, uma semana após fechar todas as suas salas. Nada menos que 26 mil pessoas foram dispensadas, mas não só isso: 600 executivos da corporação receberam “licença” dos cargos, incluindo o CEO. Em comunicado, a AMC afirma que não se trata de demissão, mas de um “plano emergencial necessário” para a empresa não quebrar de vez. A princípio, todos os funcionários voltarão aos seus postos quando as salas reabrirem. Mas e até lá? Ficarão sem salário? Como farão para sobreviver? A AMC não está sozinha: ao todo, mais de 150 mil trabalhadores de salas de cinema nos EUA estão na mesma situação angustiante. Pelo menos, com o pacote de ajuda financeira que o governo dos EUA aprovou, as redes de cinema terão como sustentar seus empregados e financiar seus negócios durante a crise. Mesmo assim, o caminho será longo e ainda é cedo para prever como será essa retomada. (The Hollywood Reporter)
E enquanto as grandes redes americanas precisam de Trump e do Congresso, um dono de cinema de rua em Fairfax arregaçou as mangas e está vendendo baldes de pipoca na calçada para não falir. (Variety)
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No último fim de semana, a China decidiu reabrir os cinemas do país e chegou até a anunciar o relançamento dos filmes dos Vingadores e outros blockbusters, como “Avatar” e “A Origem”, para incentivar o público a frequentar as salas. No entanto, alguns dias depois, as autoridades mandaram fechar tudo de novo. A reabertura foi planejada porque o coronavírus parecia sob controle no país. Mas, infelizmente, novos casos de COVID-19 começaram a ser registrados por lá. (Variety, The Hollywood Reporter)
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Enquanto as bilheterias americanas adormecem, os olhos se voltam para o desempenho do VoD. Os grandes estúdios já começaram a antecipar o lançamento de títulos que só chegariam aos serviços digitais mais adiante. Conforme aponta um estudo inicial do IndieWire, ainda não há mecanismos confiáveis para avaliar o desempenho dos filmes no VoD como há nas salas de cinema. O que é possível fazer é uma análise de amostragem a partir dos rankings divulgados por cada plataforma, o que é muito frágil. Mas a partir disso, o que se conclui é o óbvio: os espectadores dão preferência aos filmes mais baratos. Não é mesmo de se espantar: alguns títulos como “Aves de Rapina” e “Bloodshot” estrearam no VoD brasileiro custando nada menos que R$ 59,90. É um preço absolutamente abusivo, principalmente se considerarmos que não está incluído nele toda a experiência da sala de cinema, nem os custos que envolvem manter um cinema funcionando ou produzir um Blu-ray (que, não raro, custa menos que isso no lançamento). Se o VoD é o caminho que os estúdios pretendem seguir, eles precisarão adequar os preços à nossa nova realidade.
Aqui no Brasil, o top 10 do fim de semana passado registrou público de 698 pessoas e renda de R$ 9 mil, números inéditos da história do país (Filme B).
A propósito: “Never Rarely Sometimes Always", drama sobre aborto vencedor do Grande Prêmio do Júri em Berlim e muito elogiado pela crítica, será lançado direto no VoD em 3 de abril, nos EUA. O filme é dirigido por Eliza Hittman, de “Ratos de Praia”. Não tinha previsão de estreia no Brasil. (IndieWire)
E sobre “Mulher Maravilha 1984”, a Warner tornou oficial o adiamento de 4 de junho para 13 de agosto - somente nos cinemas. O estúdio também anunciou que vai remarcar estreias do musical "Em um Bairro de Nova York", da animação "Scooby!" e do terror "Malignant" para datas a serem definidas. (Cinematório)
Ainda em notícia relacionada, a Netflix reduziu a qualidade de sua transmissão de vídeo no Brasil para não sobrecarregar rede, devido à quarentena de combate ao coronavírus. Looke, Globoplay e outras plataformas tomaram medidas semelhantes. (Estadão)
Outra pergunta que fica em relação ao futuro do cinema pós-coronavírus é sobre as premiações. O Globo de Ouro já anunciou mudanças nas regras: na edição de 2021, para se tornar elegível, um filme não precisará ser exibido para membros da HFPA (Hollywood Foreign Press Association) no prazo de uma semana antes do lançamento nos cinemas. Na prática, isso significa que os filmes lançados direto em VoD enquanto as salas estiverem fechadas poderão concorrer ao Globo de Ouro, desde que os votantes recebam link ou DVD dos distribuidores. Será que o Oscar fará o mesmo? (O Globo)
Na Europa, o Festival de Cannes publicou uma FAQ para responder perguntas sobre a decisão de adiar, e não cancelar o evento este ano. “Não se trata de permanecer firme, mas de analisar a situação com clareza e responsabilidade”, afirmam os organizadores. Segundo eles, qualquer esperança para a realização da edição de 2020 depende inteiramente da possibilidade de adiamento para o início do verão na Europa. “Decidimos optar pelo final de junho porque não podemos planejar mais adiante do que isso”, diz a página. "Embora Cannes seja famoso principalmente por seu lado artístico e midiático, o festival também desempenha um papel essencial na economia do cinema mundial”. A esperança do festival é que o mercado de Cannes possa ser o ponto de partida para a indústria voltar à ativa. (Cineuropa)
E mesmo cancelado por causa do coronavírus, o festival SXSW realizou a premiação da edição 2020 online. Os jurados viram os filmes através de links disponibilizados pelos realizadores e escolheram seus favoritos. O vencedor da competição de longas de ficção foi “Shithouse”, do estreante Cooper Raiff. O filme é uma comédia dramática sobre estudantes que se conhecem em uma festa e acabam passando a noite inteira em companhia um do outro, ao estilo “Antes do Amanhecer”. Na categoria de documentários, o vencedor foi “An Elephant in the Room”, de Katrine Philp, que acompanha um grupo de crianças que precisam lidar com a dor do luto muito cedo na vida. Todos os premiados.
Quem também anunciou premiados esta semana foi o prestigiado festival francês Cinéma du Réel - e tem troféu para filme brasileiro. “Ontem Havia Coisas Estranhas no Céu” venceu na categoria Prix Loridan-Ivens/CNAP, destinada a diretores estreantes com filmes de mais de 50 minutos. Por conta do coronavírus, o evento teve suas exibições canceladas, mas a programação e as avaliações foram realizadas pela internet, a exemplo do SXSW. O diretor Bruno Risas disse o seguinte: "É com tristeza que acompanhamos a quarentena mundial que impediu, entre outras centenas de coisas, que pudéssemos todos partilhar as exibições nas salas em Paris. Apesar de tudo, iremos também celebrar. Porque celebrar é um gesto de negação ao que se impõe: uma realidade que não contempla nossas possibilidades de perceber o mundo, de desejar o mundo." Temos no Cinematório crítica e podcast sobre o longa (que será distribuído pela Vitrine Filmes).
No front dos festivais brasileiros, o É Tudo Verdade abriu sua edição online na última quarta-feira. O principal festival de documentários do país terá programação especial na internet, já que teve que adiar suas sessões presenciais por causa do coronavírus. Confira os filmes.
Já o Olhar de Cinema anunciou o adiamento de sua 9ª edição, que aconteceria de 3 a 11 de junho em Curitiba. "Vamos estar atentxs aos próximos desdobramentos para, em breve, podermos divulgar uma nova data", afirma a organização.
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A segunda temporada da série “The Mandalorian” terá um ou mais episódios dirigidos por Robert Rodriguez. O nome do cineasta (que é amigo pessoal do showruner Jon Favreau, vale dizer) já circulava em rumores, mas agora está confirmado. Será a estreia de Rodriguez na franquia “Star Wars”, mas nem de longe será sua primeira vez na ficção científica. Além da franquia “Pequenos Espiões”, ele dirigiu recentemente “Alita: Anjo de Combate”. Vale lembrar também que ele dirigiu Rosario Dawson em “Sin City”. A atriz foi recentemente anunciada na série para o papel de Ahsoka Tano. Será uma nova colaboração? (/Film)
Os gamers dos anos 80 e 90 certamente se lembram de “Dragon’s Lair”. O jogo de aventura medieval - que foi inovador em sua época por usar a tecnologia LaserDisc para exibir as fases em forma de animação (relembre) - finalmente está virando filme e pode ter Ryan Reynolds no papel principal, o cavaleiro Dirk, que tem a missão de salvar uma princesa mantida refém em um castelo por um dragão e um feiticeiro. O projeto é da Netflix, que já havia licenciado o game para usá-lo na segunda temporada de “Stranger Things”. O roteiro do longa live-action está sendo escrito por Dan e Kevin Hageman, de “Uma Aventura Lego”. Ainda não se sabe quem assumirá a direção, nem quando será o lançamento. (IGN Brasil)
Woody Allen conseguiu publicar sua autobiografia através de uma editora independente nos EUA. Depois de a Hachette cancelar o lançamento da obra, após protestos de funcionários, o livro saiu no início da semana pela Arcade. Como esperado, Allen fala abertamente sobre as acusações de abuso sexual contra a filha Dylan. “Foi tudo uma invenção do começo ao fim", diz o cineasta na obra. Ele já foi absolvido judicialmente, mas o caso nunca se encerrou fora dos tribunais. Obviamente, a família Farrow publicou uma nota contestando Allen e reafirmando as acusações contra ele. Como polêmica pouca é bobagem, Allen também conta no livro como começou sua relação com Soon-Yi Previn, filha adotiva de Farrow. "Fui questionado se, caso soubesse o que aconteceria, se teria me envolvido com Soon-Yi", escreve ele. "Sempre respondi que faria tudo de novo num piscar de olhos." (Folha)
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In Memoriam: Morreu o cineasta Stuart Gordon, aos 72 anos. Cultuado pelos fãs de horror, ele dirigiu clássicos do gênero nos anos 80 e 90, como "Re-Animator" (ou "A Hora dos Mortos-Vivos", no Brasil), "Do Além", "O Poço e o Pêndulo" e "O Dentista". (Variety)
Também morreu o segundo dos criadores de "Asterix", o quadrinista francês Albert Uderzo, aos 92 anos. Junto com René Goscinny (falecido em 1977), Uderzo publicou a primeira aventura dos gauleses em outubro de 1959. No cinema, "Asterix" rendeu quatro longas em live-action (um quinto está em pré-produção) e 10 animações. (Revista O Grito!)
É isso. Até a próxima edição!
Forte abraço e cuidem-se,
Renato Silveira
Editor-chefe do Cinematório