O fim é o começo é o fim
Em meio à pandemia, cinemas de SP podem reabrir no fim do mês, enquanto Cinemateca corre risco de incêndio. Netflix aumenta apostas para o Oscar e Almodóvar reencontra Penélope.
por Renato Silveira (@silveirarenato)
“O Despertar dos Mortos” (Dawn of the Dead, 1978), de George A. Romero - United Artists
As imagens de jovens ricos aglomerados em frente a bares no Leblon, zona Sul do Rio de Janeiro, na noite da última quinta-feira, causou espanto até mesmo em setores da elite brasileira. O flagrante desrespeito e tamanha insensibilidade com a dor de dezenas de milhares que morreram, e com as vidas de centenas de milhões de brasileiros que permanecem à sombra do vírus, acendem um alerta que governantes fingem não enxergar. É o caso do governador de São Paulo, João Doria. Nessa sexta-feira, ele confirmou a decisão de flexibilizar a abertura de estabelecimentos culturais, incluindo salas de cinema, no final de julho (Folha). Haverá regras para o público, claro. Mas não há como garantir a segurança de ninguém enquanto não houver vacina. Simples assim. No entanto, Doria, tal como outros governadores e prefeitos, segue antecipando a flexibilização do isolamento social mesmo sem qualquer sinal de trégua da pandemia.
Enquanto isso, a Cinemateca Brasileira corre o risco de pegar fogo, tal como ocorreu com o Museu Nacional, no Rio de Janeiro. O alerta é do colunista Ricardo Feltrin, no UOL. O prédio está sem brigada de incêndio, sem sistema de interno de segurança, sem vigias e sem conta de luz em dia. O gerador de energia está com defeito, o que coloca em risco a manutenção das condições climáticas necessárias para preservar a integridade de rolos de filmes e documentos importantes da história do cinema brasileiro. O governo federal segue em silêncio.
Pelo menos, a última safra do cinema brasileiro segue fazendo bonito em premiações. “Democracia em Vertigem” foi eleito Melhor Documentário nos Prêmios Platino, enquanto Carol Duarte venceu como Melhor Atriz, por “A Vida Invisível”. A premiação anual do cinema ibero-americano teve como grande vencedor o espanhol “Dor e Glória”, de Pedro Almodóvar. (Revista de Cinema)
Já “Bacurau” lidera o ranking de filmes do primeiro semestre de 2020 com melhor avaliação dos usuários do Letterboxd. O longa de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles foi lançado nos EUA este ano e já vinha colecionando elogios da crítica. A depender de como se sustentar nos próximos meses, ele pode repetir o fenômeno de “Cidade de Deus” em 2004 e ser indicado ao Oscar em categorias que não sejam a de Melhor Filme Internacional.
“Bacurau” também foi o destaque do 25º Prêmio Guarani, realizado pelo site Papo de Cinema e que recebe votos de mais de uma centena de críticos de cinema brasileiros (incluindo este que vos escreve). O longa venceu oito categorias: filme, direção, roteiro original, ator coadjuvante, elenco, montagem, som e trilha sonora. Confira todos os premiados.
O Festival de San Sebastián segue anunciando títulos em sua programação. Previsto para acontecer de 18 a 26 de setembro na cidade espanhola, o evento terá em competição alguns dos “filmes de Cannes” deste ano, entre eles “Verão de 85”, de François Ozon, “Another Round”, de Thomas Vinterberg, “True Mothers”, de Naomi Kawase”. (Cineuropa)
Questão: se Cannes considerou que os filmes de sua Seleção Oficial 2020 são todos vencedores simbólicos da Palma de Ouro (já que não houve festival), deveriam outros festivais aceitar tais títulos em suas competições? San Sebastián é o primeiro a dizer que estar na Seleção de Cannes não é um problema. Mas o aceite também pode ser uma revelação da falta de opções, já que a indústria segue paralisada — e apreensiva com a pandemia.
Tão apreensiva que o Festival de Sundance, que só acontece em janeiro, nos EUA, já está se preparando para uma eventual edição online, que aconteceria simultaneamente a sessões presenciais (tal como o Festival de Toronto quer fazer em setembro). Um adiamento da data de realização também é cogitado pelos organizadores. Tudo dependerá da evolução do cenário da saúde pública. (IndieWire)
Um dos filmes mais elogiados do ano, “First Cow” será lançado em VOD na próxima semana. A diretora Kelly Reichardt (“Certas Mulheres”) havia planejado segurar o filme para um relançamento nos cinemas dos EUA mais perto do fim do ano. Porém, ela mudou de ideia diante das mais recentes notícias do avanço da Covid-19 no país. A produtora e distribuidora A24 ainda pretende realizar sessões do filme, possivelmente para reforçar suas chances de Oscar. De todo modo, não vamos mais precisar esperar tanto tempo para ver o novo trabalho da premiada cineasta, uma das vozes mais proeminentes do cinema independente americano atual. (IndieWire)
Já o novo filme de Charlie Kaufman (“Quero Ser John Malkovich”, “Sinédoque, Nova York”) poderá ser visto em 4 de setembro, na Netflix. “I'm Thinking of Ending Things” é descrito como um filme de horror e tem como base o livro homônimo de Ian Reid. O enredo gira em torno de uma viagem feita por um jovem casal que está com problemas no relacionamento, algo que Kaufman promete transformar em uma “exploração do remorso e da fragilidade do espírito humano”. O elenco conta com Jessie Buckley (“As Loucuras de Rose”), Jesse Plemons (“O Mestre”), Toni Collette (“Hereditário”) e David Thewlis (franquia “Harry Potter”).
A Netflix também engrossou o caldo de seu catálogo para o Oscar 2021 com “The Trial of the Chicago 7”, novo filme do roteirista Aaron Sorkin (“A Rede Social”). Este é o segundo longa dirigido por ele. O primeiro foi “A Grande Jogada”, que não teve tão boa aceitação quanto os longas que ele apenas escreveu. “The Trial of the Chicago 7” é um projeto bem mais ambicioso, no entanto: um drama de tribunal baseado no episódio verídico do protesto pacífico atacado brutalmente pela polícia durante a Convenção do Partido Democrata, em 1968. O elenco estelar conta com Eddie Redmayne, Mark Rylance, Sacha Baron Cohen, Joseph Gordon-Levitt, Michael Keaton e Frank Langella. O filme seria lançado inicialmente pela Paramount nos cinemas, mas a Netflix comprou os direitos. A data de estreia ainda não foi definida, mas Sorkin quer que o lançamento aconteça antes das eleições presidenciais, marcadas para novembro. (IndieWire)
E por falar em Oscar, a Academia divulgou a lista de convidados deste ano para se tornarem seus novos membros. São ao todo 819 profissionais da indústria cinematográfica, então, vamos direto ao ponto: 45% são mulheres, 36% são de minorias étnicas/raciais e 49% são de 68 países que não os Estados Unidos (Mulher no Cinema). Do Brasil, foram convidados a montadora Cristina Amaral, a diretora Julia Bacha, a produtora Mariana Oliva, o produtor Tiago Pavan e os diretores Otto Guerra (“Wood & Stock: Sexo, Orégano e Rock’n’Roll) e Vincent Carelli (“Martírio”). Estar na lista não quer dizer que esses artistas já são membros da Academia. Eles precisam aceitar o convite e depois formalizar a filiação. É um processo burocrático e que custa tempo e dinheiro. De todo modo, ficamos felizes pelo reconhecimento dos nossos profissionais, em especial de Cristina, que é simplesmente uma das montadoras mais importantes do cinema brasileiro, tendo trabalhado principalmente com Andrea Tonacci e Carlos Reichenbach. Ouça nossa entrevista com ela e com Vincent Carelli, quando ambos foram homenageados na CineOP, em 2017.
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O sindicato dos atores nos EUA, SAG-AFTRA, emitiu uma recomendação para que seus afiliados não trabalhem no thriller “Songbird”, produzido por Michael Bay. De acordo com a entidade, os realizadores do projeto não foram transparentes sobre seus protocolos de segurança em meio à pandemia de Covid-19. As filmagens serão realizadas em Los Angeles e o enredo gira justamente em torno de um vírus que sofre várias mutações enquanto cientistas tentam detê-lo. Trata-se de um filme de baixo orçamento que Bay comprou por puro oportunismo. A produtora do cineasta ainda não se manifestou sobre a recomendação do sindicato. (Variety)
Pedro Almodóvar e Penélope Cruz irão trabalhar juntos novamente em “Madres Paralelas”, um dos próximos projetos do cineasta espanhol. Previsto para ser filmado em 2021, o longa terá como personagens principais duas mulheres que dão à luz no mesmo dia e têm trajetórias paralelas na vida. Almodóvar disse que escreveu o roteiro especificamente com Penélope em mente. Em entrevista, o diretor afirmou que sua intenção é explorar “o mundo feminino de novas mães, de mães que estão criando filhos no primeiro e no segundo ano”. Ao que parece, “Madres Paralelas” entrará na frente do primeiro filme falado em inglês de Almodóvar, anunciado por ele no início do ano. O cineasta também trabalha atualmente em um curta-metragem que será rodado nos próximos meses, com Tilda Swinton como protagonista. (El País)
Já Kate Winslet será dirigida por Ellen Kuras em “Lee”, cinebiografia da fotojornalista Lee Miller, que cobriu a Segunda Guerra Mundial com a perigosa missão de expor os segredos do Terceiro Reich. Ellen é mais conhecida por seu trabalho como fotógrafa (ela trabalhou com Kate em “Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças”), mas agora está trilhando seu caminho como diretora. Após trabalhar em algumas séries e em documentários, ela fará seu primeiro longa de ficção. (The Playlist)
Enquanto aguarda o lançamento de “Mulan” nos cinemas, a diretora Niki Caro alinha seu próximo projeto. Ela assinou com a Amblin para dirigir “Beautiful Ruins”, uma sátira sobre os bastidores de Hollywood, baseada no best-seller de Jess Walter. A história começa quando um jovem se apaixona por uma estrela do cinema na costa italiana, nos anos 1960, durante as filmagens do clássico “Cleópatra”. Cinco décadas depois, aquele romance inacabado é descoberto pelo assistente de um grande produtor e ele fica determinado a dar um “final feliz” à história. Sam Mendes (“1917”) será um dos produtores do filme. (Variety)
Há muito tempo se fala na realização de um “Máquina Mortífera 5”. Em janeiro, o assunto voltou a ser notícia com a confirmação de que um novo roteiro foi escrito e, finalmente, agradou Mel Gibson e Danny Glover. Esta semana, Glover voltou a falar sobre o projeto e indicou que o momento parece apropriado para que o filme seja feito. Não por causa de sua idade, mas sim, e infelizmente, devido aos protestos antirracistas. Segundo o ator, “o enredo tem uma relevância muito forte para as coisas que estão acontecendo hoje. Seria interessante ver como nós iremos abordar [a franquia] dentro do contexto político e econômico que estamos vivendo. Especialmente em relação às comunidades que têm sido atingidas pela violência policial.” O último “Máquina Mortífera” foi lançado 1998. Em 2016, foi feita uma série de TV que teve três temporadas, sem a participação de Glover e Gibson. (Variety)
In Memorian: Perdemos o grande ator Leonardo Villar, aos 96 anos. Com trabalhos no teatro, na TV e no cinema, ele atuou em filmes como "O Pagador de Promessas", "A Hora e a Vez de Augusto Matraga", "Ação Entre Amigos", "Chega de Saudade", entre vários outros. Nas palavras do crítico Luiz Zanin, “fazendo tipos brutos, Leo Villar brincava com a sutileza.”
Também perdemos o comediante Carl Reiner, aos 98. Uma lenda de Hollywood, ele atuou na trilogia "Onze Homens e um Segredo" e dirigiu filmes como "Alguém Lá em Cima Gosta de Mim", "Cliente Morto Não Paga", "O Panaca" e "Um Espírito Baixou em Mim". Trabalhou com Steve Martin, Mel Brooks e Dick Van Dyke. Reiner também dirigiu a comédia "Curso de Verão", um grande sucesso da Sessão da Tarde nos anos 80 e 90 (e tema de recente episódio do nosso podcast De Volta Para o Sofá).
Por fim, vale a lembrança do compositor Johnny Mandel, morto aos 94. Mais lembrado por ter composto a música-tema de “M*A*S*H”, ele ganhou o Oscar pela canção “The Shadow of Your Smile”, do filme “Adeus às Ilusões” (1965) e também foi indicado por “Eu Te Verei no Inferno, Querida” (1966). Fora do cinema, trabalhou com Frank Sinatra, Peggy Lee, Barbra Streisand, Michael Jackson, Tony Bennett, Natalie Cole, entre outros grandes nomes da música.
É isso. Até a próxima edição!
Forte abraço e cuide-se,
Renato Silveira
Editor-chefe do Cinematório