VIDAS NEGRAS IMPORTAM
John Boyega faz poderoso discurso em protesto londrino, enquanto Cannes anuncia sua Seleção Oficial. No Brasil, Gramado é adiado e trabalhadores da Cinemateca lançam campanha.
Foto: Shutterstock
Chegamos ao fim de uma das semanas mais tensas de 2020. E olha que a competição está forte, hein? Além da escalada brutal de mortes por COVID-19 no Brasil, os últimos dias foram marcados pelos protestos antirracistas, que ganharam ainda mais força nos EUA, onde George Floyd foi assassinado pela polícia, e se espalharam pelo mundo. Várias personalidades do cinema se juntaram ao movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam). Com as medidas de distanciamento social, a maioria se posicionou pelas redes sociais, o que também é válido. Mas no Hyde Park, em Londres, John Boyega, membro do elenco principal da nova trilogia “Star Wars”, não quis saber: foi para o olho do furacão e discursou em meio aos manifestantes. (Variety)
"Hoje é sobre pessoas inocentes que estavam na metade dos seus processos", disse o ator britânico, nascido no distrito de Peckham. “Não sabemos o que George Floyd poderia ter alcançado; não sabemos o que Sandra Bland (mulher negra de 28 anos que foi morta na prisão, no Texas, em 2015) poderia ter alcançado. Mas hoje nós vamos assegurar de que esse não será um pensamento alienante para nossos jovens.” Sem esconder o choro e a raiva, Boyega continuou: “Toda pessoa negra aqui se lembra de quando outra pessoa te fez lembrar que você é uma pessoa negra... Preciso que vocês entendam o quanto isso é doloroso. Preciso que vocês entendam como é doloroso ser lembrado todos os dias de que sua raça não significa nada.”Veja o vídeo do discurso completo.
O intérprete do guerreiro rebelde Finn usava um megafone, mas várias vezes durante o protesto gritou a plenos pulmões. Em certo momento, ele disse: “Eu estou falando com vocês de coração. Eu não sei se eu terei uma carreira depois disso, mas foda-se.” A Lucasfilm publicou uma nota de apoio a Boyega, afirmando que está ao lado do ator. “O mal que é o racismo precisa parar. Nós vamos nos comprometer a fazer parte da mudança que há muito está atrasada no mundo.” O texto termina dizendo: “John Boyega, você é nosso herói.”
Floyd foi a fagulha que inflamou os protestos dos últimos dias, mas eles estão longe de serem “apenas” sobre Floyd. Na manifestação londrina, o nome de Belly Mujinga (bilheteira ferroviária negra que morreu de coronavírus após levar uma cusparada de um passageiro que estaria infectado) também foi aclamado pela multidão, da mesma forma como poderiam ter sido os nomes de João Pedro e do garoto Miguel. Entre tantos outros.
Enquanto os protestos incendiavam as ruas nos EUA, Spike Lee fez um curta chamado “3 Irmãos”, em que intercala as filmagens dos assassinatos de George Floyd e de Eric Garner (outra vítima do racismo da polícia norte-americana) com cena semelhante do seu filme "Faça a Coisa Certa", de 1989. “Este ano vai ser um dos piores anos de todos os tempos. E estamos só em maio”, disse Lee ao Los Angeles Times, enquanto divulgava seu novo filme, “Destacamento Blood”, que estreia na Netflix em 12 de junho.
Entre as celebridades que não são negras, mas se manifestaram a favor do Black Lives Matter, Dwayne Johnson chamou a atenção. Em vídeo postado no Twitter, The Rock encarou Donald Trump. O ator não menciona o nome do presidente, mas a mensagem é clara. Trump não respondeu.
O Festival de Cannes anunciou os filmes da sua Seleção Oficial de 2020, um ano atípico em que a pandemia do novo coronavírus paralisou a indústria cinematográfica, fechando salas, suspendendo estreias e cancelando festivais. Não haverá entrega de prêmios, no entanto. Este ano, entrar na Seleção Oficial já é um prêmio concedido pela curadoria coordenada por Thierry Frémaux. Os títulos poderão usar o selo de Cannes em sua divulgação e não serão impedidos de competirem em outros festivais, desde que estes os aceitem.
Cannes surpreendeu pela quantidade de filmes anunciados: 56, ao todo. A seleção é bastante eclética e foi dividida em "temas", ao invés das tradicionais mostras paralelas, como a Un Certain Regard. Há um grupo de filmes de diretores que já competiram em edições anteriores (entre eles, Wes Anderson, Naomi Kawase, Steve McQueen, François Ozon e Thomas Vinterberg) e há outro para cineastas que estão "participando" do festival pela primeira vez. Estão lá também as animações (entre elas "Soul", da Pixar) e os documentários. O Brasil está representado na seção "Os Primeiros Longas", com "Casa de Antiguidades", do diretor João Paulo Miranda Maria. O filme conta a história de Cristovam (interpretado por Antônio Pitanga), um caipira que sai de sua terra em busca de melhores condições de trabalho, mas que enfrenta a solidão e o preconceito devido ao contraste cultural e étnico. Veja a lista completa.
Vale notar: de 56 filmes selecionados, 13 são dirigidos por mulheres. Cannes afirmou que houve um “aumento significativo” nesse quesito, o que não é verdade. Segundo levantamento do IndieWire, o percentual de participação feminina na verdade caiu de 23,7% no ano passado para 23,2% este ano.
Também no IndieWire, Eric Kohn aponta as ausências mais sentidas neste ano de Cannes sem Cannes: Paul Verhoeven com o aguardado “Benedetta”, Apichatpong Weerasethakul com o misterioso “Memoria” e Joanna Hogg com a segunda parte de “O Souvenir” estão entre elas. Conforme você leu aqui na newsletter na semana passada, muitos cineastas preferiram guardar seus filmes para exibir em festivais que serão realizados. E caso Veneza não aconteça (contra a insistência de seus realizadores), muitos desses filmes só verão vistos mesmo em 2021. E possivelmente em Cannes, pois houve pressão de Frémaux para que alguns dos cineastas mencionados o aguardem.
Cá no Brasil, o Festival de Gramado se viu obrigado a remarcar a edição deste ano. De 14 a 22 de agosto passou para 18 a 26 de setembro. A nova data foi fixada a partir da análise do cenário nacional em função da pandemia, disseram os organizadores. “Os festivais mantêm o cinema vivo e Gramado tem muita honra de contribuir com o fortalecimento da indústria do audiovisual. Esse é o nosso compromisso e será mantido ainda que não sejam descartadas alterações ou adequações no formato”. A seleção dos filmes em competição deverá ser concluída até o final de julho.
Sem novidades no front por parte do governo federal, trabalhadores da Cinemateca Brasileira lançaram por conta própria uma campanha de financiamento coletivo para obterem uma forma de se sustentarem. “Em meio ao descaso e desrespeito da ACERP com seus trabalhadores, e pela falta de repasses dos recursos pelo Governo Federal à ACERP, decidimos realizar a campanha pública para amenizar os efeitos dessa situação que não tem perspectiva de se resolver, até o momento. Na Cinemateca Brasileira somos 62 trabalhadores contratados diretamente pela ACERP, entre CLT's e PJ's, e 93 trabalhadores de empresas terceirizadas - colegas estes que, por ora, ainda recebem os seus vencimentos.” Até o momento do envio desta newsletter, a campanha havia arrecadado R$ 20.805. A meta é R$ 200 mil. Na quinta-feira, 4 de junho, houve um protesto em frente à Cinemateca. O ato recebeu cobertura televisiva.
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Os dois filmes de Steve McQueen (“12 Anos de Escravidão”) selecionados por Cannes seriam na verdade episódios de uma série de TV. O diretor decidiu transformar a produção bancada pela BBC e intitulada “Small Axe” em uma antologia de cinco longas-metragens, entre eles “Mangrove” e “Lover’s Rock”. Com nomes como Letitia Wright (“Pantera Negra”), Shaun Parkes (série “Perdidos no Espaço”) e John Boyega (“Star Wars”) no elenco, os filmes são todos centrados nas vidas de pessoas da comunidade de West Indian, em Londres, e cada um se passa em uma década diferente. Todos deverão ter algum tipo de exibição no cinema, quando for possível, mas de todo modo serão lançados em plataformas de streaming até o final do ano. McQueen dedicou a seleção por Cannes à memória de George Floyd. (The Playlist, Deadline)
Também selecionada por Cannes, a animação “Aya e a Bruxa”, do Studio Ghibli, não terá exibição nos cinemas do Japão. O filme dirigido por Goro Miyazaki, filho de Hayao Miyazaki, será exibido na TV pela emissora NHK. Fora do Japão, a história é outra e o longa -- o primeiro do Studio Ghibli totalmente animado em 3D -- está sendo negociado com distribuidores. “Aya e a Bruxa” é baseado no livro infantil de Diana Wynne Jones lançado no Brasil como “Tesourinha e a Bruxa”. A autora também escreveu o livro em que “O Castelo Animado” é inspirado. (Variety)
As filmagens de “Missão: Impossível 7” serão retomadas em setembro, após terem sido interrompidas no início de março devido à pandemia. De acordo com o ator Simon Pegg, as cenas externas serão filmadas primeiro, com a Paramount seguindo todas as precauções sanitárias exigidas. E a agenda da produção será mais longa: a previsão é que as filmagens durem até abril ou maio de 2021. Vale lembrar que o oitavo filme será rodado simultaneamente. James Cameron também anunciou que está retomando os trabalhos em “Avatar 2”. O diretor e parte da equipe já estão na Nova Zelândia, mas terão que ficar 14 dias em quarentena antes de fazerem qualquer coisa, uma exigência do governo local. (Variety)
A atriz Léa Seydoux (“Azul é a Cor Mais Quente”) será a protagonista do filme “Le Bal des Foles” (“A Festa dos Tolos”, na tradução direta), novo trabalho do diretor Arnaud des Pallières (“Faces de uma Mulher”, “Michael Kohlhaas: Justiça e Honra”). Situada em 1893, a trama é centrada em uma das 150 pacientes de um hospital psiquiátrico para mulheres em Paris que foram escolhidas para participar de um baile aristocrata, devido ao seu bom comportamento e à sua boa aparência. A protagonista planeja usar a oportunidade para fugir e encontrar sua mãe. Este é o primeiro grande projeto francês anunciado desde o início da pandemia. As filmagens terão início no fim do ano ou início de 2021. Léa Seydoux poderá ser vista este ano em “The French Dispatch”, de Wes Anderson, e em “007 - Sem Tempo Para Morrer”. (Variety)
O diretor Ari Aster (“Hereditário”, “Midsommar”) quer fazer uma comédia. Ou, nas palavras dele, “um pesadelo cômico”. Sem dar detalhes, em uma entrevista recente o cineasta comentou que só sabe que o filme terá quatro horas de duração. É claro que ele pode ter falado em tom de brincadeira. Afinal a versão do diretor de “Midsommar” tem quase três horas de duração e ele provavelmente estava se referindo a esse fato. Recentemente, falamos sobre “Hereditário” e “Midsommar” no podcast Cinematório Café. Se você ainda não ouviu, fica o lembrete. Ambos os filmes estão disponíveis na Amazon Prime Video. (The Playlist)
In Memoriam: Morreu Maria Alice Vergueiro, aos 85 anos. Atriz, diretora e pedagoga, ela teve a carreira artística mais marcada pelo teatro. Mas também fez alguns filmes: “Romance” (1988), “Cronicamente Inviável” (2000), “Quanto Dura o Amor?” (2009), “Jogo das Decapitações” (2013) e “Górgona” (2018). Mas atuação audiovisual mais lembrada de Maria Alice é no vídeo “Tapa na Pantera”, que virou fenômeno no YouTube. (Papo de Cinema)
É isso. Até a próxima edição!
Forte abraço e cuide-se,
Renato Silveira
Editor-chefe do Cinematório