Hollywood embalada a vácuo
Nos EUA, principais lançamentos são retirados do calendário de estreias ou adiados para 2021. No Brasil, onde pandemia continua matando, Belas Artes em SP anuncia data de reabertura.
por Renato Silveira (@silveirarenato)
Na China, uma cena do tal “novo normal”. Foto: AFP/Getty Images
Mais uma vez os estúdios agiram em conjunto para anunciar o adiamento em massa das estreias de seus principais filmes desta temporada -- que sequer chegou a começar, vale lembrar. Primeiro foi “Tenet”, que a Warner resolveu enfim adiar indefinidamente, após passar meses especulando datas em que seria possível levar o público de volta às salas de cinema. O efeito dominó atingiu em seguida a Disney, que também tirou “Mulan” do calendário de estreias, bem como “The French Dispatch”, o novo filme de Wes Anderson (que era da Fox Searchlight, agora posse do Mickey). Em seguida, a Paramount jogou “Um Lugar Silencioso 2” e “Top Gun: Maverick” para 2021. Na torrente de mudanças, filmes como “The Last Duel”, de Ridley Scott, o próximo “Homem-Aranha” e até mesmo as continuações de “Avatar” e os futuros filmes de “Star Wars” foram todos adiados em cerca ou mais de um ano além do previsto. (IndieWire, Variety)
Considerando que “Um Lugar Silencioso 2” estava pronto para estrear quando os cinemas fecharam, em março, podemos dizer que Hollywood já perdeu um ano inteiro com a pandemia. Obviamente que prejuízos de grandes estúdios não se comparam aos milhões de vidas perdidas no mundo inteiro. Mas fazendo aqui uma análise estritamente técnica, fica cada vez mais claro que os efeitos dessa paralisação terão reflexos duradouros para a indústria. Não só na quantidade de filmes, mas nos modos de produção e exibição. Até mesmo o streaming começará a passar por dificuldades devido ao prolongamento das restrições para a retomada da produção de seus filmes e séries. No momento, Netflix, Amazon e cia. seguem o calendário que já tinham antes da pandemia, já que não dependem das salas de cinema. Mas e quando acabar o estoque de lançamentos? Bom, aí entra uma outra questão e é de onde pode vir o trunfo da Warner e da Disney na guerra do streaming. Por mais que a Warner garanta que filmes como “Tenet” ou “Mulher Maravilha 1984” (a próxima estreia na fila a sair do calendário) não irão direto para a HBO Max, títulos não tão expressivos quanto esses já estão na mira do estúdio. O mesmo podemos dizer da Disney. Ou alguém tem dúvida de que “Viúva Negra” (um filme em que a própria Marvel não parece acreditar muito) é a escolha perfeita para alavancar o Disney+, logo quando o serviço fará sua estreia em outros mercados, inclusive o Brasil?
Voltando a “Tenet”, vale notar que a decisão da Warner é para os EUA, onde a lamentável crescente de casos de Covid-19 (e vale lembrar que a Disney ajudou nisso ao reabrir seu parque na Flórida) torna impossível pensar na volta de eventos públicos em curto prazo. Porém, em outros países onde a pandemia arrefeceu e os cinemas já reabriram, a estreia do filme de Christopher Nolan pode acontecer ainda em agosto. No entanto, a “data indefinida” de “Tenet”, “Mulan” e outros filmes nos EUA pode ser um blefe dos estúdios. Há pressão por parte dos exibidores, que precisam de lançamentos aguardados como esses para poderem voltar a operar com a garantia de que haverá público, ainda que reduzido. E eles não estão preocupados com os lucros dos estúdios. Vejam o que disse John Fithian, presidente da NATO (National Association of Theathers Owners), em entrevista à Variety: “Os estúdios podem não ganhar a mesma quantia de dinheiro que ganharam antes, mas se não começarem a distribuir filmes, haverá um grande buraco em seus balanços.”
E vale notar: o único filme que a Disney manteve no calendário foi “Os Novos Mutantes”, programado para 28 de agosto nos EUA. Ao que parece, o spin-off de “X-Men” ocupou o lugar de “Tenet” como o aguardado primeiro grande teste. Até porque, se for adiado pela enésima vez (o filme deveria ter sido lançado em 2018), fatalmente irá para o Disney+.
Caso seja humanamente possível reabrir cinemas nos próximos meses, Hollywood ainda tem entre seus grandes lançamentos programados para este ano: “Invocação do Mal 3” (11 de setembro), “King’s Man: A Origem” (18 de setembro), “Mulher Maravilha 1984” (2 de outubro) , “Viúva Negra” (6 de novembro), “Soul” (20 de novembro), “007 - Sem Tempo Para Morrer” (20 de novembro), “West Side Story” (18 de dezembro) e “Duna” (18 de dezembro). E claro, “Tenet” e “Mulan” podem ganhar novas datas.
Cá no Brasil,o Belas Artes paulista quer ser o primeiro cinema da cidade a voltar a funcionar. O proprietário, André Sturm, marcou a reabertura para 6 de agosto e avisou que seguirá todos os protocolos determinados pela prefeitura. Um deles é o tempo máximo de funcionamento de seis horas diárias, o que possibilitaria a realização de apenas duas sessões. Quatro das seis salas irão funcionar e com apenas 40% de ocupação máxima em cada uma. Na programação, clássicos de Fellini e Kubrick, além de sucessos como "Relatos Selvagens", "O Filho da Noiva" e "Medos Privados em Lugares Públicos". Será que o plano se sustenta até lá? (Folha)
Se você preferir ficar em casa, tem lançamento bom no streaming também no dia 6 de agosto: a “Antologia da Pandemia”, que reúne 13 curtas de horror realizados durante o período de quarentena. O filme é resultado de uma iniciativa do Fantaspoa (Festival de Cinema Fantástico de Porto Alegre), que convidou os realizadores a criar uma narrativa cinematográfica com os recursos que tivessem em casa, em um prazo de menos de 20 dias. O festival fará a primeira exibição, entre 31 de julho e 2 de agosto, na plataforma Darkflix. Depois o filme estará nos principais serviços de VOD. (Escotilha)
No front dos festivais, Veneza anunciou o filme de abertura: “Lacci”, do diretor Daniele Luchetti (“Meu Irmão é Filho Único”). É o primeiro longa italiano a abrir o festival em 11 anos. Ele será exibido fora de competição e os títulos que irão concorrer ao Leão de Ouro serão revelados na próxima terça-feira, 28 de julho. O festival acontecerá de 2 a 12 de setembro. (Screen)
Já o Festival de Toronto abrirá com o mais novo filme de Spike Lee. Não é “Destacamento Blood”: o diretor já tinha pronto mais um trabalho para 2020, o filme-concerto “David Byrne’s American Utopia”, baseado no espetáculo da Broadway protagonizado pelo líder dos Talking Heads. Lee dirigiu a filmagem do show e documentou a temporada em que esteve em cartaz, de outubro de 2019 a fevereiro de 2020. O festival continua marcado para 10 a 19 de setembro e terá parte da programação online. Os detalhes de como isso funcionará ainda não foram anunciados. (IndieWire)
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A Netflix emplacou mais um grande projeto: um filme estrelado por Julia Roberts e Denzel Washington. “Leave the World Behind” será uma adaptação do romance de Rumaan Alam e contará a história de duas famílias forçadas a passar um fim de semana juntas, quando confrontam suas diferenças. O filme será dirigido por Sam Esmail, que trabalhou com Roberts na série “Homecoming”. Valores não foram divulgados, mas os salários de Julia e Denzel deverão se equiparar aos cachês que estão acostumados a receber dos grandes estúdios. Considerando que na semana passada a Netflix anunciou um filme de ação de 200 milhões de dólares, dá para ter uma ideia do quanto a plataforma cresceu de um ano para cá. A ver quando e como esses projetos serão realizados. (Variety)
Indicada ao Oscar de Melhor Atriz este ano por “Harriet”, Cynthia Erivo fará a seguir o drama musical “Talent Show”, projeto da Universal Pictures que será o primeiro longa da diretora Gandja Monteiro. Erivo, que também é cantora, viverá uma compositora fracassada profissionalmente que decide voltar para sua cidade natal, onde assume a liderança de um grupo de jovens em recuperação social que ensaia para se apresentar em um show de talentos. O roteiro é assinado por Lena Waithe (da série “Master of None”). Ou seja, é um projeto autoral de mulheres negras. (The Hollywood Reporter)
A Amazon Studios comprou os direitos de distribuição de “Without Remorse”, filme de espionagem estrelado por Michael B. Jordan (“Pantera Negra”) e baseado no livro de Tom Clancy. O longa seria lançado este ano nos cinemas pela Paramount, mas, como você leu acima, o estúdio abriu mão de seus lançamentos para 2020. Jordan interpreta o fuzileiro naval John Clark, personagem que já foi interpretado antes por Willem Dafoe, em “Perigo Real e Imediato”, e Liev Schreiber, em “A Soma de Todos os Medos”. Considerando que a Amazon também é dona dos direitos da série “Jack Ryan”, protagonizada por John Krasinski, não é difícil imaginar um crossover no futuro. (The Playlist)
E George Clooney negocia para dirigir seu próximo filme para a Amazon Studios. Em “The Tender Bar”, o astro pretende contar a história do escritor vencedor do Pulitzer J.R. Moehringer, que em sua adolescência encontrava substitutos para seu pai ausente entre os clientes do bar de seu tio em Long Island. O roteiro foi escrito por William Monahan (“Os Infiltrados”). Clooney também será um dos produtores do filme, mas não está certo se ele também estará no elenco. (Deadline)
Elizabeth Moss assinou com a Apple para estrelar e produzir a série “Shining Girls”. Baseada no livro de Lauren Beukes, a história acompanha uma jornalista que sobrevive a um ataque e tenta recompor sua vida após o trauma, ao mesmo tempo em que usa a profissão para investigar e encontrar seu agressor. Este é só um de vários novos projetos que Moss tem pela frente, na TV e no cinema. Mas devido à pandemia, ainda não está claro qual será produzido primeiro. (The Playlist)
Gael García Bernal entrou para o elenco do próximo filme de M. Night Shyamalan. Cercado de mistério, como de hábito, o novo longa ainda não tem título e está sendo produzido pela Universal Pictures. O elenco terá ainda Thomasin McKenzie (“Jojo Rabbit”), Alex Wolff (“Hereditário”) e Vicky Krieps (“Trama Fantasma”). Segundo o próprio Shyamalan, os storyboards estão prontos e as filmagens irão começar tão logo seja seguro. (Deadline)
O Instituto Moreira Salles anunciou a segunda etapa do Programa Convida, que reúne artistas de diferentes áreas para a realização de projetos durante o período de quarentena. Na primeira etapa, tivemos, por exemplo, curtas feitos por Helena Ignez, Karim Aïnouz e Grace Passô (o poderoso “República”). Entre os novos convidados do IMS estão os cineastas Gabriel Martins, Marcela Borela, Cristina Amaral, Safira Moreira, Halder Gomes, Julia Katharine, Jorge Furtado e Joel Zito Araújo.
In Memoriam: Mais uma grande perda para o cinema brasileiro. Morreu Sérgio Ricardo, aos 88 anos. Além de músico importante que transitou entre a Bossa Nova e o Tropicalismo, foi ator e cineasta. Fez as trilhas de "Deus e o Diabo na Terra do Sol" e "Terra em Transe", ambos de Glauber Rocha, e dirigiu filmes como "A Noite do Espantalho" e "Êsse Mundo é Meu", entre outros. Estava na ativa, atuando mais como músico. Mas voltou a filmar e lançou, em 2018, “Bandeira de Retalhos”, estrelado por Antônio Pitanga e Babu Santana. Um projeto independente e de pouca repercussão, mas de grande importância para o grupo Nós do Morro. Sua mais recente contribuição ao cinema foi em “Bacurau”, emprestando a música “Bichos da Noite” para a trilha sonora. No Spotify, o disco “Cinema na Música”, gravado durante concerto ao vivo (disponível na íntegra no YouTube) em que Sérgio e banda interpretaram várias de suas canções para filmes.
Morreu também esta semana a atriz e cantora Annie Ross, aos 89 anos. Entre seus filmes mais lembrados estão “O Jogador” (1992) e “Short Cuts - Cenas da Vida” (1993), ambos de Robert Altman. Mas os cinéfilos dos anos 80 certamente se lembram de Annie também por “Superman 3” (1989): ela viveu uma das vilãs e protagonizou uma das cenas mais marcantes de um filme cheio de problemas, ao ser transformada em uma androide ou algo assim.
É isso. Até a próxima edição!
Forte abraço e cuide-se,
Renato Silveira
Editor-chefe do Cinematório